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Culto e Cerimônia (Parte 1)

Atualizado: 25 de mai.



O evangelicalismo precisa de um retorno à adoração formal e bíblica. Adoração é um ato público, realizado na superfície do verdadeiro altar de Deus, o mundo, perante o Seu trono. O fim principal do homem é glorificar a Deus e gozá-lo, e a adoração é feita para o gozo de Deus. O homem tem o grandioso privilégio de poder dançar diante do trono do Rei dos reis, fazer uma afirmação ritual pública da supremacia de Deus.

O culto público também é feito para a edificação dos homens.

“Edificar” é construir, como podemos ver na palavra “edifício”, que significa construção. Os pastores nomeados por Deus supervisionam e organizam o culto, porque são responsáveis por supervisionar a construção do edifício (1 Cor. 3:10–15 e 14:26). Ao mesmo tempo, edificação não significa “boas sensações”. Não devemos adorar como desejamos, mas como Deus requer.

A regra básica da adoração é encontrada em João 4:24, “em Espírito e em verdade”. “Verdade” não se refere apenas à ideologia, mas principalmente à fidelidade da aliança. As palavras em hebraico que se encontram por detrás da palavra do Novo Testamento para “verdade” têm a ver com fidelidade, confiabilidade, credibilidade e segurança (uma delas é a palavra “amém”). Jesus disse: “Eu sou a Verdade”, e Ele é mais do que uma mera ideologia intelectual. A verdade envolve o discipulado (João 8: 31f.), de modo que somos comandados a “praticar” a verdade (João 3:21; 1 João 1: 6).

A verdade é apresentada como um diálogo entre o homem e Deus. Deus fala primeiro e o homem responde a Deus. Deus fala Sua Palavra ao homem de mais de uma maneira: a Palavra é lida para nós, ensinada, pregada, tornada visível na Ceia, aspergida sobre nós no batismo, encarnada para nós no modo de vida de homens e mulheres piedosos. Então, devolvemos a Sua Palavra a Deus, ouvindo, recebendo o batismo, comendo a Ceia, cantando e orando as Escrituras, e assim por diante. Este é o diálogo da Verdade no centro da vida diante do Trono, e que flui para toda a vida.

O segundo elemento na adoração verdadeira é o Espírito. Se lermos João 4:24 em seu contexto (versículos 20–26), perceberemos que o texto está falando sobre ambiente. Adoração em Espírito significa adoração no ambiente estabelecido pelo Espírito.

Na Antiga Aliança era o monte de Sião. Na Nova Aliança, é onde quer que Jesus Cristo esteja presente. Adorar em Espírito não significa (a) adorar internamente, ou (b) adorar com entusiasmo, ou (c) adorar com meu espírito. Em vez disso, significa adorar no glorioso ambiente do próprio céu.

Isso fica claro a partir de Hebreus 12:22. O Espírito traz o céu à terra durante o período da adoração (compare Atos 2), e somos levados para este ambiente celestial (compare Apocalipse 4 e 5). Estamos presentes não só com outros cristãos (“a assembleia dos primogênitos arrolados nos céus”), mas também com “miríades de anjos jubilosos”, bem como os santos que já partiram (“espíritos dos justos aperfeiçoados”). Este é o ambiente de adoração, e ele é descrito em todo o livro de Apocalipse. O Cordeiro imolado e o Livro no centro da cena significam que Escritura e Sacramento devem estar proeminentemente expostos no centro da atenção visual na igreja, pois a glória-ambiente do Espírito é estabelecida em torno da pessoa de Cristo, que está especialmente presente na Palavra e no sacramento.

A essência do culto, de acordo com Romanos 12:1, é que nos ofereçamos como sacrifícios vivos. Levítico 9:15–22 mostra-nos a ordem adequada de sacrifício litúrgico: confissão, consagração e comunhão. Primeiro vem a oferta pelo pecado, o que significa que o culto deve começar com um ato de confissão de pecados. Após a oferta pelo pecado vem o holocausto e a oferta de cereais, que são atos de consagração: de si e de obras, respectivamente. Por último vem a oferta pacífica, que é o sacrifício de comunhão, uma refeição partilhada com Deus.

Em termos de diálogo da Verdade, Deus nos fala a cada vez, encorajando-nos ao triplo ato de sacrifício. Primeiro, somos exortados pelo ministro a confessar os pecados, e então o fazemos (orando esperançosamente uma oração conjunta apropriada para a ocasião). O santuário — o povo de Deus congregado — deve ser purificado pela aspersão de sangue para que a adoração possa ser oferecida, e afirmamos que, pelo sangue de Cristo, ele foi purificado de uma vez por todas.

Em segundo lugar vem a sinaxe ou o serviço da Palavra. Passagens das Escrituras são lidas (Antigo Testamento, Epístola, Evangelho, Salmo), e em seguida, vem o sermão. Tudo isso é projetado para nos levar ao segundo ato de sacrifício: o Ofertório. O Ofertório não é uma “cobrança”, mas um ato de auto-imolação (em e através de Cristo) da congregação. Em união com Cristo, e não à parte Dele, oferecemos a nós mesmos (“holocausto”) e nossos dízimos e ofertas (“sacrifício cereal”) para Deus. Na igreja primitiva, o pão e o vinho da comunhão também eram trazidos à frente neste momento, juntamente com dízimos e outras ofertas. Assim, o gazofilácio é levado para frente ao ministro, que o apresenta diante de Deus (“oferecendo”) e o entrega a Ele. Deus então entrega as ofertas aos presbíteros para serem utilizadas em Seu nome. Então vem a oração longa, a oração “por toda a igreja de Cristo” (“oferta de incenso”), que também faz parte do Ofertório. Com esta oração, a sinaxe é encerrada.

Agora começa o terceiro ato de sacrifício, a Eucaristia (“ação de graças”) ou a Ceia do Senhor. Orações são oferecidas e as pessoas são exortados a comer da refeição que Deus providenciou, Sua santa oferta de paz. Após a Eucaristia, as pessoas são enviadas. Talvez o Cântico de Simeão seja cantado: “Senhor, agora deixa o teu servo partir em paz, conforme a Tua Palavra. Pois meus olhos viram a Tua salvação…”. O povo é instruído a partir: “Vão, o culto está encerrado”. É bom permanecer na nuvem de glória no Monte Tabor, mas há crianças endemoninhadas do lado de fora que precisam de nossa atenção (Mateus 17:1–20).

A Bíblia ensinou a igreja primitiva a cultuar, mas grandes corrupções se manifestaram ao final da Idade Média. Os Reformadores Protestantes estavam interessados principalmente na restauração do culto, uma vez que o consideravam — acertadamente — como o centro do Reino. Afinal de contas, quando Deus chamou Israel do Egito, não era antes de tudo para estabelecer uma nação teocrática, mas para participar de uma festa de adoração ao terceiro dia. Infelizmente, dentro de cem anos, os sonhos litúrgicos dos Reformadores estavam praticamente em ruínas.

Os Reformadores desejavam três coisas. Primeiro, eles queriam um retorno à regulação bíblica da adoração. Quase imediatamente, no entanto, essa preocupação foi desviada para uma abordagem minimalista. A regra de que “devemos fazer na adoração somente o que é realmente comandado nas Escrituras”, foi assumida em um sentido cada vez mais restrito. Os Reformadores perceberam que os “comandos” de Deus são encontrados na Escritura em “preceito, princípio e exemplo”. Já seus herdeiros tendiam a trocar essa concepção holística da Palavra de Deus pela busca de “ordens explícitas”. Em vez de ler a Bíblia para observar os padrões lá apresentados para a nossa imitação, houve uma tentativa de encontrar o mínimo possível do que realmente é “ordenado” no Novo Testamento. O livro do Apocalipse, que mostra como o culto é conduzida no céu (“Seja feita a tua vontade assim na terra como no céu”), foi ignorado. O minimalismo anabatista logo se instaurou nas igrejas Reformadas.

Em segundo lugar, os Reformadores desejavam um retorno às Antigas formas Católicas, como eles as entendiam. Uma leitura das liturgias escritas por eles mostra isso. Embora todos os Reformadores tendessem a reagir exageradamente contra qualquer coisa que os lembrasse da opressão imperial Italo-Papal, eles não eram tão “anti-católicos” ao ponto de rejeitar a igreja primitiva. Porém, logo em seguida, a reação sectária contra qualquer coisa que “cheira a Roma” prevaleceu sobre seus interesses.

Em terceiro lugar, os Reformadores queriam a participação de todo o sacerdócio dos crentes no culto. Eles escreveram liturgias dialogais em que as pessoas tinham muitas coisas para falar e cantar. Suas congregações cantavam, por exemplo, os credos, os Dez Mandamentos e a Oração do Senhor. Em pouco tempo, no entanto, a força da tradição devocional medieval reafirmou-se — a tradição de “missa baixa” na qual as pessoas apenas se sentavam, assistiam e ouviam, enquanto o ministro fazia tudo. Esta tradição medieval era a essência da visão puritana do culto. No culto, os puritanos distanciaram-se dos anseios dos Reformadores Protestantes.

É importante entender que, embora os puritanos apoiassem a teologia dos Reformadores, eles rejeitaram as visões sobre o culto dos Reformadores em pontos cruciais. Depois que a Revolução Puritana falhou e Charles II subiu ao trono Inglês, houve uma conferência em Saboia entre clérigos Presbiterianos Puritanos e os recém restabelecidos bispos Anglicanos. É interessante notar o que os Presbiterianos propuseram. Eles queriam “omitir as ‘repetições e responsos entre o ministro e o povo, e a leitura alternada de Salmos e Hinos, que causam um murmúrio confuso na congregação’: … ‘e que as Escrituras Sagradas … indiquem ao povo que a sua parte na oração pública deve ser apenas em silêncio e reverência, declarando o seu consentimento ao final dizendo Amen.” Em outras palavras, nenhum diálogo, nenhuma leitura responsiva, nenhuma oração congregacional, nem mesmo a Oração do Senhor. Os bispos Anglicanos responderam, “leituras alternadas, repetições e responsos são muito melhores que uma oração longa e tediosa.” Eles também observaram que “se o povo quer ter parte em Hopkins [escritor de Salmos metrificados], por que não pode participar dos Salmos de Davi ou da litania?” Em outras palavras, se está tudo bem cantar paráfrases métricas dos Salmos, por que é errado ler responsivamente as próprias palavras das Escrituras?

Originalmente, o movimento puritano não se opunha ao culto do Breviário, mas com o tempo a combinação da perseguição do Estado com a força contínua da tradição quietista medieval levou os puritanos a uma séria oposição à participação congregacional no culto.

Culto e Cerimônia

Assim, “cerimônia” passou a ser uma palavra feia. A abordagem puritana influenciou grandemente todo o mundo calvinista e, assim, praticamente tudo o que hoje se chama evangelicalismo. No entanto, gradualmente, os extremismos puritanos foram diluídos. As congregações começaram a orar juntos a Oração do Senhor. A recitação do Credo dos Apóstolos foi reintroduzida. As leituras responsivas retornaram. Natal e Páscoa tornaram-se aceitáveis, assim como o uso da cruz como símbolo. Ao mesmo tempo, no entanto, pouco foi feito para recuperar a real perspectiva e os princípios da igreja primitiva e dos Reformadores. Em grande parte, essas práticas católicas retornaram para as igrejas evangélicas não porque são claramente vistas como parte do preceito, princípio e exemplo bíblico, mas por causa de um verdadeiro abandono de qualquer compromisso com a norma bíblica.

A cerimônia ainda é vista com suspeita; apenas alguns compromissos foram feitos. No entanto, na nossa agenda hoje, devemos repensar toda a questão da cerimônia. Nesta seção, exponho três considerações sobre o assunto da cerimônia: o sacerdócio de todos os crentes, o padrão celestial, a natureza da linguagem performativa. Um quarto princípio, a ação da eucaristia, recebe atenção especial na próxima seção deste ensaio.

O sacerdócio de todos os crentes indica que devemos participar do culto com todo o nosso ser. Adoração é uma dança. É uma performance ordenada. Não é um esporte de espectadores. As concepções gregas da primazia das sensações internas, ou da primazia do intelecto não têm nada a ver com as Escrituras. Na verdade, se as Escrituras nos concedem alguma primazia, é a primazia de comer. Alexander Schmemann escreveu: “na história bíblica da criação, o homem é apresentado, primeiramente, como um ser faminto e o mundo inteiro como seu alimento. Logo após o mandamento de reproduzir e dominar sobre a terra, de acordo com o autor do primeiro capítulo do Gênesis, está a instrução de Deus aos homens para comer da terra: ‘Eis que vos tenho dado todas as ervas que dão semente … e todas as árvores em que há fruto que dê semente; isto vos será para mantimento…’ O homem deve comer a fim de viver; ele deve tomar o mundo em seu corpo e transformá-lo em si mesmo, em carne e sangue. De fato, ele é o que ele come, e o mundo é apresentado como uma ampla e abrangente mesa de banquete para o homem.”

Schmemann nota também que “não é acidental, portanto, que a história bíblica da Queda se centre novamente em alimentos. O homem comeu o fruto proibido. O fruto daquela árvore, o que quer que isso possa significar, era diferente de todos os outros frutos no Jardim: ele não foi presenteado ao homem. Não foi dado, não foi abençoado por Deus, era comida que, alimentar-se dela levou a condenação de se comungar apenas consigo, e não com Deus. É a imagem do mundo amado por si mesmo, e comê-lo é a imagem da vida compreendida como um fim em si mesmo”.

A Ceia do Senhor está no clímax do culto. Jesus não disse: “Entendei isto em memória de Mim”. O que ele realmente disse foi “Fazei isto em memorial de Mim”. O ‘fazer’ tem precedência sobre qualquer teoria sobre o que está sendo feito. Se este simples fato fosse compreendido, seria possível que as igrejas se reconhecessem e cooperassem umas com as outras em verdadeira catolicidade Bíblica. De qualquer forma, não quero ser lido como que colocando o conhecimento contra a ação, ou como dizendo que a ação é mais importante. Estou dizendo, no entanto, que conhecer e fazer é igualmente importante, e em termos do sacramento, fazer é mais importante.

O pleno sacerdócio de todos os crentes significa não apenas participação congregacional (que exige livros de culto), mas também participação holística. Significa cantar, abaixar, ajoelhar, dançar, bater palmas, procissões, e assim por diante. O restabelecimento de todas essas coisas no culto não é trabalho de uma semana ou mesmo de um ano, mas tal restabelecimento deve ser nosso objetivo final.

A segunda perspectiva sobre cerimônia é o padrão celestial. João estava “no Espírito” no “Dia do Senhor” (Apocalipse 1:10). Este é o dia da adoração, e João estava pronto para “adorar em Espírito e em verdade”. Assim, ele adentrou o ambiente celestial. Ele contemplou uma liturgia conduzida no céu, que é o nosso modelo. Assim como Moisés viu o modelo na Montanha, e depois desceu para construir o Tabernáculo, assim oramos: “Seja feita a Tua vontade assim na terra como no céu”.

Quando lemos Apocalipse 5:9–14, 11:15–18, 15:2–4 e 19:1–7, vemos que o culto é organizado, planejado, preparado e feito em uníssono. Vemos o “repetitivo” uso de frases padrão, como “amém” e “aleluia”. Vemos diálogo, o culto responsorial entre o líder e o povo. Vemos a adoração antifonal entre o coro e a congregação. Vemos ações físicas.

Em suma, vemos cerimônia.

Uma terceira perspectiva vem da natureza da linguagem. Usamos a linguagem para diversos fins. Algumas linguagens são essencialmente informativas (“Meu nome é Jim”). Outras, cerimoniais (“Como você está?” “Tudo bem, e você?” “Muito bem, obrigado”). Algumas linguagens, e este é o ponto, são essencialmente performativas. O discurso realmente executa uma ação. Aqui está um exemplo: “Eu vos declaro marido e mulher”. Ou outro exemplo: “Eu te batizo no Nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo”.

Ritual não é “mera cerimônia”, embora possa se tornar isso. O culto ritual deve ser performativo. Nós, como congregação, realizamos os seguintes atos na adoração: confessamos pecados. Aceitamos o perdão. Nos oferecemos como sacrifícios vivos. Fazemos votos. Ofertamos. Comemos. Dizemos “amém”, que é um juramento pactual, implicando: “Que seja eu rasgado ao meio e devorado pelas aves de rapina e animais selvagens se eu não cumprir segundo estas palavras. ” O oficiante também executa determinados atos no culto: Ele batiza. Ele nos declara perdoados. Ele nos dá Cristo no pão e no vinho.

Continua…

James B. Jordan

Tradução: Evandro Rosa

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